Esse assento já estava na parede — craquelado pelo tempo, gasto pelo contato repetido de corpos que o atravessaram. Uma pele de couro negro que se fendeu, acumulando cicatrizes e fraturas: arquivo erógeno de passagens anônimas.
O gesto de pedalar sempre foi íntimo. O roçar incessante entre o corpo e o assento dissolve fronteiras, gera uma fricção sensual que não distingue gêneros. Sejam pessoas com p@u (e ânus) ou com v@gina (e ânus), trata-se de uma mesma escrita corporal: uma partitura de atrito e prazer, gravada no material.
Nesse espaço de encaixe e vibração, um cristal encontrou lugar. Instalado na ponta do selim, ele se torna prolongamento mineral, uma prótese que empurra o desejo para além da carne. Um orifício recebe a pedra como se fosse sempre sua.
Aqui penso em Tunga, na alquimia dos gestos e objetos que se tornam rituais de passagem, e em Matthew Barney, na metamorfose do corpo que se estende através de próteses, líquidos, pródigos híbridos. O selim com cristal toca a mesma frequência: o excesso, a fusão, a erótica pós-humana onde corpo, objeto e mineral são uma coisa só.








Selim (Assento), 2024
Óleo sobre polimero viscoelastico, quartzo e tronco
30 x 15 x 10 cm
Saddle
This saddle was already fixed to the wall — cracked by time, worn down by the repeated passage of bodies across its surface. A blackened skin fissured and fractured: an erogenous archive of anonymous frictions.
Cycling has always carried an intimacy. The constant rubbing between body and saddle dissolves boundaries, a sensual friction that transcends gender. Whether people with c@ck (and anus) or with v@gina (and anus), the gesture inscribes the same bodily script: a score of attrition and pleasure etched into material.
Within this zone of contact, a crystal found its place. Inserted at the tip of the saddle, it becomes a mineral prosthesis, pushing desire beyond the organic. An orifice receives the stone as though it had always belonged there.
Here I think of Tunga, with his alchemy of gestures and objects turning into rituals of passage, and of Matthew Barney, with his metamorphic bodies extending through prostheses, fluids, and excessive hybrids. The saddle with its crystal vibrates at the same frequency: an eroticism beyond the human, where body, object, and mineral collapse into one.